Resgate

Uma baleia na Amazônia - Parte 1

Uma história que começa jogando sinuca na Bahia e termina na Amazônia tentando salvar uma baleia a mais de 1.000 km do mar


 Uma coisa interessante de trabalhar com baleias encalhadas é que você nunca sabe onde vai parar. Já aconteceu de eu estar em casa preparando o jantar, receber um telefonema e, no dia seguinte, estar em Fernando de Noronha necropsiando uma baleia-piloto.

Esta história começa numa quarta-feira à noite, 14 de novembro de 2007. Estávamos no final da temporada reprodutiva das baleias-jubarte e muitas delas já estavam migrando em direção às ilhas Geórgia do Sul onde elas passam o verão se alimentando.  O pico de encalhes de jubartes no Brasil ocorre nos meses de agosto e setembro. A chance de ocorrer um encalhe de jubarte em novembro era bem baixa. Com o feriado da proclamação da República na quinta-feira, a perspectiva era de eu ter um longo e tranquilo final de semana prolongado e poder curtir as praias do sul da Bahia.

Como era véspera de feriado fui com uns amigos jogar sinuca em um bar de Caravelas, Bahia, onde eu morava. Estávamos jogando em dupla e eu tinha acabado de fazer minha jogada quando o telefone tocou. Ví que era a Fábia, uma bióloga minha amiga com quem eu havia trabalhado antes no Projeto Peixe-boi em Pernambuco. Fábia estava morando em Santarém, Pará, onde estava trabalhando com peixes-boi da Amazonia. Estava muito barulho dentro do bar por isso fui atender a ligação na calçada. Depois de perguntar como eu estava Fábia foi logo dizendo:

"Estou em Santarém e apareceu uma baleia aqui no rio Tapajós. Vou precisar que você venha para cá me ajudar porque estamos a mais de mil quilômetros do mar e essa baleia não vai achar o caminho de volta sozinha".
Eu ri achando que era piada e perguntei o que ela queria realmente. Mas ela insistiu na história.
" Eu estou falando sério. Eu acho que é uma baleia minke".

A medida que fomos conversando fui me convencendo de que não era brincadeira e que tinha realmente uma baleia perdida no meio da maior floresta tropical do planeta. Embora Fábia ainda não tivesse ido até o local ela tinha recebido fotos que confirmavam a história. Combinamos então que ela iria providenciar a autorização do ICMBio para comprar minha passagem e que eu iria para lá ajudar no resgate. Quando voltei para a mesa de sinuca disse aos meus amigos que teria que parar o jogo porque eu estava indo resgatar uma baleia no meio da Amazônia. Claro que eles não acreditaram e começaram a dizer que era uma desculpa bem fajuta para fugir do jogo antes de perder.

No dia seguinte organizei os equipamentos que eu precisaria levar. O material de resgate sempre fica organizado e embalado para podermos sair rapidamente ao receber uma chamada. Mas neste caso, como iria viajar de avião, precisei retirar alguns itens inflamáveis da maleta e também o material mais pesado.  Com o equipamento organizado e a passagem comprada comecei uma longa viagem de carro, avião e barco até conseguir chegar onde a baleia estava.  Enquanto eu viajava fui revisando as informações sobre a história da baleia na Amazônia.

A primeira pessoa que viu a baleia foi um garotinho que morava na comunidade de Piquiatuba, a 56 km de Alter do Chão, Pará. Ele estava caminhando próximo ao rio quando viu o borrifo da baleia perto da margem. Ele voltou correndo apavorado para a vila dizendo que tinha visto a cobra-grande no rio e que ela estava soltando um bafo pela boca.  As pessoas da comunidade foram até o rio checar a história e no lugar da cobra-grande encontraram algo quase tão inacreditável: uma baleia.

Como Piquiatuba fica próximo à Floresta Nacional (FLONA) do Tapajós logo os órgãos ambientais foram avisados e no dia 15, enquanto eu voava para lá, uma equipe com pessoas do ICMBio, do IBAMA e do Jardim Zoológico de Santarém foram até o local. Fábia estava nesta equipe e chegando lá eles encontraram uma multidão junto à baleia. A notícia havia se espalhado e como era feriado muitas pessoas pegaram seus carros ou barcos e foram ver uma baleia pela primeira vez.  As equipes tiveram bastante trabalho para tentar controlar a situação, mas no final do dia a baleia se afastou da multidão nadando para longe da margem e, a medida que chegou a noite, ela desapareceu.

Quando cheguei em Santarém, Pará, na manhã do dia 16 ninguém tinha notícias da baleia. Olhamos as fotos que tinham sido feitas na véspera e constatamos que se tratava de uma Baleia Minke Antártica (Balaenoptera bonaerensis). Esta espécie chega a pouco mais de 10 metros de comprimento e  pesa cerca de 8 toneladas. Ela pode ser confundida com a Baleia Minke Anã (Balaenoptera acutorostrata) que é um pouco menor e possui uma mancha branca bem delimitada na nadadeira peitoral. Ambas as espécies de baleia minke foram caçadas no Brasil, até a proibição em 1986.

Fizemos a divulgação na imprensa para que se alguém avistasse a baleia entrasse em contato com nossa equipe. O IBAMA cedeu um helicóptero usado no controle de queimadas para procurarmos a baleia. Fomos então ao último local onde ela havia sido avistada e começamos a fazer linhas de busca sobre o rio Tapajós na tentativa de localizá-la. 

Esta era minha primeira vez na Amazônia e nada que eu tinha lido ou assistido na televisão me preparou para a realidade de sobrevoar a floresta e os rios.  O  rio Tapajós naquele trecho tem 15 quilômetros de largura! É algo quase inacreditável. Na próxima vez que você for viajar de carro zere o odômetro e marque 15 km e depois imagine todo esse percurso que você percorreu coberto de água de um único rio.  Mas se o rio Tapajós me impressionou positivamente por outro lado foi muito triste constatar o desmatamento e as queimadas na floresta. Imensas áreas ao redor de Santarém estavam sendo desmatadas para criação de gado. Isso foi em 2007 e infelizmente agora temos tido noticias de desmatamentos ainda piores na Amazônia.

No final do primeiro dia de buscas voltamos para Santarém sem sinal da minke. Já estava escurecendo quando recebemos a notícia que a baleia tinha sido avistada na comunidade de Jaguarituba, na outra margem do Tapajós,  próximo da Reserva Extrativista (RESEX) de Tapajós-Arapiuns.  Nós tínhamos passado o dia voando de um lado do rio e a baleia estava no lado oposto. Como já era tarde para  irmos até lá, organizamos o vôo para o dia seguinte. Durante a noite fizemos uns cálculos baseado na velocidade média de natação de uma minke e na distancia que ela estava do mar. Se a baleia tivesse entrado pela foz do rio Amazonas e vindo nadando direto até o Tapajós, sem parar, ela precisaria de mais de uma semana para percorrer esta distância. Portanto ela já estava há um bom tempo em água doce. Estando adaptados ao ambiente marinho, se uma baleia ou golfinho ficar muito tempo em água doce pode desenvolver opacidade de córnea. Eu precisaria examinar seus olhos mas primeiro precisava encontrá-la.

No dia 17 de novembro checamos se havia alguma atualização sobre a localização da baleia, mas como não veio nenhuma notícia nova nós fomos até Jaguarituba onde ela tinha sido vista por último. Descemos com o helicóptero em uma praia na beira do rio e, conversando com os moradores, recebemos uma noticia triste.  Os ribeirinhos contaram que um morador de outra comunidade tinha ferido a baleia com uma lança! Ela tinha sido vista sangrando e nadando se afastando de lá seguindo rumo norte. Essa notícia do ferimento aumentou nossa preocupação e também a necessidade de encontrá-la logo.

Decolamos e seguimos  rumo norte na mesma direção que a minke. Voamos paralelo à margem do rio numa distância que permitiria enxergar uma baleia próxima da praia. Assim íamos cobrindo visualmente essa mesma distância em direção ao centro do rio. Quando localizávamos uma comunidade nós pousávamos o helicóptero para pedir informação sobre a baleia.  Confesso que era uma cena meio surreal. Imagine um helicóptero pousar na Amazônia, uma pessoa desembarcar e perguntar: "Você viu uma baleia passar por aqui"?

Mas logo descobrimos que a novidade sobre uma baleia no Tapajós tinha se espalhado pelas comunidades por conta das notícias no rádio. Em cada comunidade onde pousávamos uma multidão de crianças e curiosos logo se juntavam. Para muitos deles era a primeira vez que viam um helicóptero de perto.  As notícias eram que a baleia tinha passado por lá, nadando sem parar. sempre rumo norte.

Sobrevoamos a região por mais de três horas mas nem sinal da minke. Chegou um ponto que nosso piloto nos informou que o combustível já estava baixo e que precisávamos cruzar o rio e voltar para Santarém enquanto tínhamos uma margem de segurança. Voamos para Santarém e reabastecemos o helicóptero, mas até voltar aonde tínhamos parado já estaria escuro. Por isso tivemos que interromper os trabalhos pelo segundo dia de buscas e nos preparar para o  dia seguinte.

Divulgamos nas rádios e emissoras de televisão que a baleia estava ferida e pedimos que nos avisassem se tivessem notícias dela. Neste ponto eu ainda não sabia, mas a notícia de uma baleia perdida na Amazônia  já era conhecida em todo o mundo. Agências de noticias tinham divulgado a informação no exterior e todos estavam querendo acompanhar esta história. Claro que uma das principais perguntas era por que essa baleia estava tão longe do mar? Será que estava desorientada? Tinha entrado no rio Amazonas e não conseguiu achar o caminho de volta para o mar? Estava com alguma doença? Para responder isso nós precisávamos primeiro encontrá-la.

A noite fomos jantar em um restaurante de Santarém, às margens do Tapajós. Olhava o rio parcialmente iluminado pelas luzes da cidade e ficava pensando onde ela estaria e quão grave era o ferimento que ela tinha recebido.

Na manhã do dia  18 de novembro chegou logo cedo a notícia que a baleia estava na localidade de São José, na entrada do rio Arapiuns.  Corremos para o aeroporto e voamos para lá antes que ela sumisse. Quando estávamos chegando perto conseguimos ver uma multidão e a baleia próxima à margem do rio. Finalmente, depois de três dias de busca,  tínhamos conseguido encontra a baleia! Ia começar agora a operação de resgate.

Esta história continua na Parte 2.



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